Dia "D" de desgraça
Por mais que tente não consigo tirar este dia da memória.
Dizem que quando passamos por uma situação traumatica é normal haver "brancas", que se esquecem pormenores, que o cérebro bloqueia o acto violento... É mentira!
Era sexta-feira santa, dia 6 de Abril de 2007.
Lembro-me de tudo, como se fosse hoje.
Lembro-me de como o médico me disse que o meu bebé estava morto: "Não há nada a fazer. O feto está a desfazer-se dentro de si!"
Lembro-me da minha mãe a invadir a sala por ouvir os meus gritos.
Lembro-me de como contei ao meu namorado que perdi o nosso bebé. Nesse instante, parte dele morreu também.
Pudesse eu apagar da lembrança a poça de sangue no chão. Não sabia que havia tanto sangue em mim,em nós...
Nesse momento, a minha cunhada tentava entrar á socapa para me visitar e dar força mas disseram-lhe que eu estava a dormir.
Não queriam que ela assistisse áquele filme de terror.
O sangue saía em jactos com as contracções e pintou-me as pernas de vermelho vivo enquanto expulsava o meu filho morto de dentro do meu ventre.
Apertei as coxas com a pouca força que me restava antes de desfalecer no colo da auxiliar Margarida numa tentativa falhada de manter o meu filho dentro de mim.
Recusava-me a aceitar que Deus me tivesse dado a benção de engravidar para 12 semanas depois me levar o meu filho. Não é justo! Não podia ser verdade...
A D. Margarida deu-me banho, ajudou-me a deitar e tentou reconfortar-me. Sedaram-me e adormeci.
Quando acordei, a minha mãe estava aos pés da cama a tentar engolir o choro. Trouxe-me um ramo com 5 rosas oferecido pelo meu amor e um pacote de amêndoas.
Fui á janela para falar com o pobre rapaz. Não o deixavam subir porque só podia ter um acompanhante permanente e a minha mãe insistiu para ser ela...
Liguei-lhe. "Amo-te tanto mowito! Como estás minha pexte?" Os lábios mostravam um sorriso rasgado, mas os olhos estavam vidrados com as lágrimas e o rosto dele não tinha vida... Só consegui pedir-lhe perdão:"Desculpa pextinha... Desculpa ter perdido o nosso bebé!"
Desliguei o telemóvel, não queria que me ouvisse a chorar... Desmaiei antes de conseguir chegar á cama. Quando recuperei os sentidos, a médica informou-me que nessa noite me iam fazer uma raspagem porque o meu corpo não tinha expulsado tudo.
O meu amor estava desolado, felizmente o meu pai e os meus cunhados fizeram-lhe companhia e ninguém arredava pé daquela sala de espera durante todo o dia.
Entrei no bloco operatório a rezar. Rezava para que os médicos se apercebessem que o meu filho estava vivo ou, na impossibilidade de isso acontecer, que eu morresse na sala de operações. Estava morta por dentro... Não ia fazer diferença se o meu corpo morresse também.
Acordei já estava num quarto com mais 2 senhoras. Chamei a enfermeira e fui informada que me retiraram "a porcaria toda".
Foi nesse instante que descobri que Deus não existe... Ou se existe, não me considera sua filha!
Passei a noite a ouvir bebés a chorar.
Mas eu já não tinha mais nada... Já não tinha barriga, já não tinha o meu filho e já não tinha lágrimas.
Chegara o 3º dia. Era domingo de Páscoa e o meu pextinha foi-me buscar.
Ao sair da maternidade sem nenhum bebé na barriga nem no colo apercebi-me que as nossas vidas iam mudar para sempre.
A vida que até então vivêramos tinha acabado...
O conto-de-fadas acabou e começou o pesadelo.